sábado, 8 de janeiro de 2011

leituras

Gauna assistia ao ensaio com os olhos fixos, boca entreaberta e sentimentos contraditórios. A desilusão do primeiro momento ainda ressoava nele, como um eco fraco e prolongado. Fora como uma humilhação perante si mesmo. «Como é que eu não desconfiei», pensou, «quando me disseram que o teatro ficava na Rua Freye?» Mas agora perplexo e orgulhoso, via a conhecida Clara transfigurar-se na desconhecida Élida. O seu abandono ao prazer - a uma espécie de prazer vaidoso e marital - teria sido completo se as caras masculinas, inexpressivas e atentas que assistiam ao espectáculo, não lhe tivessem sugerido a possibilidade de uma inevitável trama de circunstâncias que podiam roubar-lhe Clara ou deixar-lha aparentemente intacta, mas carregada de mentiras e traições.

[...]

- Nunca ninguém me falou assim - declarou a rapariga.
Diante dos seus olhos radiantes, pardos e puros, envergonhou-se, viu-se a descoberto; quis reconhecer que toda aquela teoria da liberdade e da franqueza era uma improvisação, uma apressada memória de conversas com Larsen e que agora a expunha para esconder as suas descobertas, a sua necessidade de saber o que ela tinha feito na noite em que não quis acompanhá-la, para disfarçar um pouco o inesperado e urgente sentimento que o dominava: os ciúmes. Começava a balbuciar, mas a rapariga exclamou:
- És maravilhoso.
Julgou que troçava dele. Quando olhou para ela, percebeu que falava seriamente, quase com fervor. Sentiu-se ainda mais envergonhado. Pensou que nem sequer estava certo de acreditar no que lhe tinha dito, nem de aspirar a entender-se perfeitamente com ela, nem de gostar assim tanto dela.


Adolfo Bioy Casares, O sonho dos heróis

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